Vasculite cutânea de pequenos vasos comporta um grupo heterogêneo de afecções, que pode ser primariamente cutâneo ou fazer parte de um distúrbio sistêmico, compreendendo três entidades principais, a saber: vasculite leucocitoclástica, vasculite séptica e vasculite livedóide, sendo esta última a forma menos comum e a menos compreendida. Esse grupo de vasculite acomete principalmente as vênulas pós-capilares e tem em comum um quadro de vasculite cutânea que, de modo característico, se manifesta por púrpura palpável.
A vasculite livedóide, afecção descrita primeiramente por Milian em 1929 como atrofia branca em placas e segmentar, é doença de caráter crônico que pode resolver-se em alguns anos ou se perpetuar por toda a vida com remissões e agravos. É afecção incomum que afeta predominantemente o sexo feminino.
O diagnóstico é clínico. O quadro inicia-se com máculas e pápulas purpúricas de aspecto contusiforme que evoluem para úlceras extremamente dolorosas. Bolhas hemorrágicas podem acompanhar a transição das máculas para as úlceras. Posteriormente, surgem placas cicatriciais estelares, atróficas e de coloração branco-marfim. As lesões predominam nos membros inferiores, particularmente no terço inferior de pernas e tornozelos, com tendência a agravamento no verão, sendo por isso também chamada de vasculite com ulceração no verão. Salienta-se que essa afecção não apresenta nenhuma relação com o livedo reticular.
Na descrição histopatológica clássica da vasculite livedóide é observado deposição fibrinóide na parede vascular associada com trombo intraluminal e infiltrado inflamatório misto. O infiltrado inflamatório inicial é predominantemente neutrofílico, enquanto os linfócitos são marcantes na fase tardia.
A vasculite difere da vasculopatia obstrutiva por determinar alterações isquêmico-trombóticas decorrentes de um processo imunológico-inflamatório primário. Na vasculopatia obstrutiva, as alterações imunológicas e/ou inflamatórias são secundárias.
O conceito, estabelecido há muitos anos, de que a vasculite livedóide é uma vasculite verdadeira não é mais aceito por muitos autores. Acredita-se ser um distúrbio primário na fibrinólise, no endotélio dos vasos afetados, que determina um estado de hipercoagulabilidade local. A primeira alteração histopatológica observada na vasculite livedóide é o depósito de material fibrinoso no lúmen e parede do vaso. A ausência às vezes total ou de significante infiltrado inflamatório ou leucocitoclasia contraria a idéia de vasculite. O complexo imunológico, encontrado basicamente nas lesões tardias, consiste num evento secundário. Assim, a vasculite livedóide é uma vasculopatia oclusiva decorrente de um processo trombótico de vasos dérmicos de pequeno e médio calibres. Lefebvre et al. definem a vasculopatia livedóide como doença trombótica que afeta vasos dérmicos superficiais e profundos, caracterizada fisiopatologicamente pela hialinização da parede vascular, proliferação endotelial, depósitos de fibrina e finalmente formação de trombos intraluminais.
A vasculopatia livedóide pode ser distúrbio primário focal ou secundário a um distúrbio de coagulação, como, por exemplo, deficiência da proteína C e síndrome antifosfolipídica.
Dessa forma, com base nos dados expostos, os autores propõem o uso da expressão vasculopatia livedóide e não mais vasculite livedóide. Uma alternativa aceitável seria a já também consagrada denominação atrofia branca de Milian. Entretanto, esses fatos não apenas implicam o anseio de estabelecer um termo mais adequado para essa afecção, como também ressaltam novas implicações investigativas e terapêuticas baseadas nos novos conceitos fisiopatológicos.