URTICARIA CRONICA:
A urticária é uma doença que acomete 15 a 25% dos individuos da população em geral, em algum momento da vida. Estima-se também que 0,1 % da população examinada em consultas dermatologicas apresente urticária.
Entre os pacientes com Urticaria , 50 % apresentarão a doença por pelo menos um ano e 20 % alem de 20 anos.
Observa-se também que quando a urticária ocorre associada ao Angioedema o prognóstico é pior, predispondo 75 % destes pacientes a apresentar este quadro por um periodo superior a 5 anos.
Definimos Urticaria Cronica como aquela que aparece pelo menos 4 x por semana , por um periodo não inferior a seis semanas.
Embora a urticaria seja comum em qualquer idade, observamos que a Urticaria Aguda é mais frequente em crianças e adultos jovens, enquanto que a Urticaria Cronica ocorre , em geral , na meia idade.
Entre as Urticarias Cronicas pelo menos 70 % terão causa indefinida após uma investigação detalhada , ou seja, serão classificadas como urticarias cronicas idiopáticas.
A incidencia de Urticaria Cronica Idiopatica é desconhecida, porém estima-se uma variação de 0,1 % a 3 % na população em geral, sendo mais comum nas mulheres , numa proporção de duas mulheres para cada homem.
Acredita-se que o diagnóstico da Urticaria Cronica como idiopática ocorra por impossibilidade de estabelecermos a sua etiologia , já que a mesma nem sempre está associada a uma etiologia única, expressando uma manifestação cutanea de diversas doenças subjacente .
Assim sendo , a pesquisa etiológica da Urticaria Cronica é uma tarefa árdua, por vezes sem sucesso, contudo deve ser realizada , pois diversas patologias podem estar a ela associadas, entre as quais doenças sitemicas ou internas.
A literatura relata diversas condições ou doenças relacionadas à etiologia da urticária ou do angioedema.
Dentre os fatores etiológicos, as doenças internas ocupam um espaço ainda controverso. Diversos estados mórbidos como infecções, infestações, malignidades internas , leucemias , linfomas , mieloma multiplo, carcinomas de cólon, reto, fígado, pulmões e ovários tem sido referidos por varios autores como associados a Urticaria Cronica.
Doenças endócrinas: diabetes mellitus, o hiper ou hipotireoidismo, o hiperparatireoidismo, as ovariopatias endócrinas e a dermatite auto-imune à progesterona estão também envolvidas no universo etiológico da urticaria e do angioedema, bem como diversas doenças mediadas por imuno-complexos, entre elas o lupus eritematoso sistêmico, a artrite reumatóide e a urticária vasculite.
Recentemente, a associação da urticária crônica à infecção pelo Helicobacter pylori e à produção de auto-anticorpos dirigidos aos receptores da IgE na membrana dos mastócitos têm sido abordadas na literatura.
O diagnóstico etiológico da urticária/angioedema crônico (UAC) é complexo, exigindo sempre uma anamnese bem elaborada e detalhada, com objetividade, para a qual recomendamos sempre o auxílio de um protocolo orientador. Contudo, como observado anteriormente, a maioria dos casos de UAC permanecem sem causa definida, sendo então classificados como idiopáticos, apesar dos esforços da anmanese, do exame físico detalhado e dos exames complementares dirigidos.
Foi realizado um estudo prospectivo em crianças com urticária aguda. O grupo foi constituído por 57 crianças de um a 36 meses de vida, sendo 40 avaliadas pelo período de dois anos. Mais de 50% das crianças tinham doença atópica associada, com a etiologia da urticária identificada ou suspeita em 92% dos casos. Em 18 casos a causa provável foi um infecção viral, sendo que em 12 houve ingestão medicamentosa concomitantemente à doença. As viroses identificadas foram atribuídas ao adenovírus, vírus de Epstein-Baar, enterovírus, vírus sincicial respiratório, rotavírus e vírus da varicella-zoster. Após dois anos de seguimento dos 40 casos, 30% destas crianças ainda demonstravam urticária, de forma recorrente ou crônica.
Outro estudo avaliou 136 pacientes com UC e observou que doenças como úlcera péptica, colelitíase e doença tireoideana ocorriam muito mais freqüentemente na população com UC, quando comparada à população em geral. Apesar disto, o tratamento intensivo dirigido a estas doenças não melhorou o prognóstico da urticária em todos os casos.
URTICÁRIA - EXAME FÍSICO
O exame físico é indispensável na pesquisa etiológica da UAC e deve incluir a inspeção da pele e seus anexos, das mucosas, a palpação das cadeias ganglionares, dos orgãos abdominais, o exame do tórax e conjuntamente à anamnese orientar a necessidade e a direção dos exames complementares.
INFECÇÕES E URTICÁRIA
A urticária pode ser uma manifestaçào de infecções bacterianas, virais ou fúngicas.
INFECÇÕES FÚNGICAS E URTICÁRIA
Relata-se a associação entre UC e a presença de dermatofitoses, candidíase vaginal e infecções urinárias fúngicas.
INFECÇÕES BACTERIANAS E URTICÁRIA
Entre as diferentes formas de infecções que podem estar envolvidas na etiologia das urticárias encontram-se as infecções dentárias, as sinusites e amigdalites, as infecções urinárias, as colecistites e as gengivites. O mecanismo pelo qual as infecções bacterianas poderiam causar a urticária seria a ativação do complemento, seja por via clássica (formação de imunocomplexos) ou pela via alternativa (toxinas bacterianas), com liberação de C3a e C5a determinando a degranulação de mastócitos e basófilos.
Deve-se ressaltar que os dados publicados não estão confirmados por estudos controlados, além do fato de que em muitos casos não se estabeleceu uma relação de causa e efeito, pois por vezes o tratamento da infecção suspeita não controla ou remite a urticária.
A associação da sífilis secundária com a urticária ao frio foi descrita, sendo determinada por anticorpos IgG hemolíticos, denominados de anticorpos de Donath-Landsteiner.
Na literatura somam-se diversos artigos propondo a associação entre a urticária crônica e infecção pelo Helicobacter pylori. A leitura destes trabalhos necessita de uma visão crítica apurada, uma vez que este agente infeccioso é muito prevalente na população humana. O H. pylori é uma bactéria microaerófila gram negativa, e tem sido responsabilizada como a principal causa da gastrite, das úlceras pépticas e como um forte fator de risco do câncer gástrico e do linfoma do tubo digestivo. Ele coloniza cerca de 50% da população em geral, sendo encontrada em 90 a 100% das úlceras duodenais, 75% das gástricas e em 50 a 60% dos pacientes com sintomas dispépticos. A pesquisa da bactéria é realizada por diversos métodos diretos endoscópicos no tubo digestivo (histopatologia, cultura de fragmento de biópsia, teste rápido da urease), ou então por métodos não invasivos, como pelo teste respiratório da uréia ou pelo exame sorológico, através do ELISA, valorizando-se especialmente a pesquisa da IgA ou IgG, para o diagnóstico,
uma vez que a sorologia confere sensibilidade de 88 a 99% e especificidade de 86 a 95%.INFECÇÕES VIRAIS E URTICÁRIA
A infecção crônica pelo vírus da hepatite A, B e C, Epstein-Barr e Coxsackie A e B podem ser causas da urticária, sendo citados freqüentemente em protocolos de investigação, entretanto seu papel na etiologia da urticária crônica ainda é incerto.
Estas infecções virais estão habitualmente relacionadas à Urticaria Aguda, mas podem associar-se também
à Urticaria Cronica. Relatou-se um doente em soro-conversão para o vírus da hepatite C e ainda casos similares com a hepatite B24. Freqüentemente, a urticária relacionada à infecção pelo vírus da hepatite B
apresenta-se de forma recorrente23. A UA pode, ocasionalmente, estar relacionada à infecção pelo vírus da hepatite A.
AUTO-IMUNIDADE NA URTICÁRIA
O desencadeamento da urticária pela presença de imunocomplexos tem sido descrita principalmente
no lupus eritematoso sistêmico. Diversos autores, estudando populações acometidas por lupus eritematoso sistêmico, encontraram uma freqüência de manifestação da urticária de forma variada, talvez refletindo aspectos diversos nas populações estudadas em diferentes países. Além disto, alguns relatam a urticária como manifestação do lupus, porém não distinguem as diversas formas da urticária, ou seja, não classificam diferentemente episódios de urticária aguda, crônica ou urticária vasculite.
A auto-imunidade é citada como causa freqüente da urticária crônica. Dentre elas estão as tireoidites
ou a presença de auto-anticorpos à tireóide e as doenças reumatológicas.
Os mastócitos e basófilos expressam receptores de alta afinidade na sua superfície (FceRIa) para a IgE. Atualmente, a urticária tem sido observada como uma doença auto-imune dos mastócitos com demonstração de anticorpos anti IgE e antireceptores de alta afinidade para IgE (FceRIa) da superfície
destas células, os quais podem determinar degranulação e liberação da histamina.
Estudos demonstraram que a injeção intradérmica de soro autólogo determina uma reação urticariforme em cerca de 60% dos pacientes com urticária crônica idiopática, denotando o envolvimento de fatores circulantes liberadores da histamina. Concluíram que há três grupos de pacientes com urticária crônica: um grupo com autoanticorpos funcionais circulantes ao FceRIa dos mastócitos e basófilos ou menos freqüentemente à IgE, outro, constituído por indivíduos com atividade liberadora de histamina específica a mastócitos, e, finalmente, um terceiro grupo de pacientes com teste do soro autólogo negativo e sem evidência de fatores circulantes liberadores de histamina.
Estes auto-anticorpos anti-FceRIa funcionais seriam do isotipo IgG1 e IgG3. Em doenças como a
dermatomiosite e pênfigo vulgar pode haver autoanticorpos anti-FceRIa, porém do isotipo IgG2 e IgG4, os quais não são capazes de liberarem histamina dos mastócitos e dos basófilos.
Demonstrou-se que os indivíduos com autoanticorpos anti-FceRIa e urticária crônica idiopática
apresentam um aumento da incidência do HLA-DR4. A hipótese de auto-imunidade é reforçada
pela verificação de que nos casos com UCI e com teste do soro autólogo positivo há um aumento
dos anticorpos antimicrossomais tireoideanos. Estas observações podem orientar uma nova abordagem
terapêutica para a UCI, resistentes ao tratamento convencional com anti-histamínicos, indicando-se nos casos mais graves o uso da plasmaferese, ou da gamaglobulina endovenosa e mesmo da ciclosporina.
Há alguns anos, o interesse quanto à etiologia da urticária e do angioedema tem sido dirigido à sua associação com doença tieoideana e/ou autoimunidade à tireóide. Lanigan et al. compararam três grupos de pacientes: um, com auto-imunidade à tiróide demonstrada, outro, com doença tireoideana mas sem produção de auto-anticorpos à tireóide, e um grupo-controle. Observaram que a urticária crônica estava significativamente associada aos de auto-imunidade à tireóide.
Na população em geral estimou-se que 6% dos indivíduos normais apresentam os anticorpos antitireóide. A reposição hormonal não melhorou a UACI na maioria dos casos.
PARASITOSES E URTICÁRIA
A relação entre urticária/angioedema crônico e parasitoses é classicamente citada na literatura
especializada e pode ser um sintoma associado a uma infecção subclínica. As infecções parasitárias poderiam causar a urticária pelo estímulo ao aumento da IgE e eosinofilia. Todos os pacientes que demonstrem um aumento da IgE e eosinofilia devem ser investigados para parasitoses, principalmente
se a urticária é acompanhada de dor abdominal e/ou diarréia. Especialmente, relacionam-se como fatores etiológicos possíveis às urticárias a amebíase, giardíase, tricomoníase e escabiose, além da ascaridíase, triquinose, ancilostomose, estrongiloidíase, filariose, esquistossomose, hidatidose, equinococose e a toxocaríase.
As dermatofitoses e as candidíases têm sido relatadas como desencadeadoras da urticária.
URTICÁRIA E PROGESTERONA
A dermatite auto-imune à progesterona é um termo que reúne várias dermatoses relacionadas
ao ciclo menstrual, e é freqüente observar-se um teste intradérmico positivo à progesterona, anticorpos
à progesterona e imunocomplexos.
São relatados casos na literatura de urticária crônica relacionados ao período pré menstrual, de forma
cíclica e com teste intradérmico positivo ou negativo à progesterona. Sob o termo “Dermatite Auto-Imune
à Progesterona” são descritas a urticária crônica, o eritema polimorfo e reações eczematosas.
URTICÁRIA E MALIGNIDADE INTERNA
Há referências de urticária e angioedema associados a carcinoma de cólon, reto e pulmão, bem
como malignidades hematológicas, os linfomas de células B e T, doença de Hodgkin e leucemia.
Em um estudo abrangendo 1.155 pacientes com urticária crônica na Suécia, observaram-se 37 casos de canceres internos, sendo que 23 surgiram no mesmo ano ou após o aparecimento da urticária.
Esperavam-se estatisticamente um número de 41 casos de câncer nesta população estudada. Os
autores concluem que não houve relação entre o surgimento da urticária crônica e o câncer.
Parece-nos evidente que até o presente conhecimento a urticária e/ou o angioedema estejam relacionados
a várias afecções sistêmicas ou doenças internas. Estudos experimentais, clínicos prospectivos
e a meta-análise da literatura poderiam contribuir com o estabelecimento do nexo causal entre a urticária e o angioedema e as doenças internas ou sistêmicas. O paciente com urticária, especialmente crônica, permanece como um desafio à prática clínica, porém de forma cada vez mais
compreensível em relação ao passado recente.
DR. ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA BIEL
ALERGISTA E IMUNOLOGISTA.
Um comentário:
O texto foi muito instrutivo. Espero que logo ela deixe de ser um desafio, e assim minha filha fique curada.
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